É impressionante o número de faces que o HIV pode ter. Enquanto uns lutam pelos medicamentos anti retrovirais adequados; outros, dedicam suas vidas a pesquisas e muitos se arrependem da falta de auto cuidado. Sinal dos tempos.
Estamos vivendo em uma era complicada. Abrimos os jornais e nos deparamos com mortes de amigos, parentes e conhecidos. Pensamos então, onde será que erraram para morrer tão cedo?
O que não compreendemos é que jamais estaremos prontos para perder quem nos é caro, não importando a causa mortis. O câncer continua impiedoso com suas vítimas; a lei do dasarmamento ainda não funciona como deveria; novas bactérias desafiam incansavelmente todo cientista; padres e pastores se esforçam para levar uma palavra de consolo a todos os que sofrem por esta ou aquela perda. Todos perdemos.
Quanta luta desenfreada por mais algumas horas daquilo que nem sempre valorizamos como deveríamos: a vida. Por que não dedicarmos nossos comportamentos à prevenção dos grandes riscos aos quais tantas vezes nos expomos.
É frequente nos preocuparmos em portar um guarda chuva em tempo nublado; bebermos água quando estamos com sede e deitarmo-nos ao esgotar nossos corpos de cansaço. Sexo, não importa se antes, depois ou durante o casamento, com preservativo e sem medo de se magoar o/a parceiro/a.
Eu, como alcoólica deixei de ser anônima, ao perceber o número de insanidades a que me expunha após o primeiro gole. Eu, como portadora do vírus HIV, deixei de questionar Deus e, mais do que nunca, com dois filhos criados, passei a trabalhar com prevenção e levar a minha mensagem ao próximo. É óbvio, repassei-a a meus filhos em primeira mão, como meu maior legado a eles.
Perdi meu pai mal completara dezoito anos, de enfarte fulminante, o terceiro ou quarto. Também de enfarte fulminante, três anos depois, no primeiro dia de Carnaval, na cidade do Rio de Janeiro, morria minha mãe. Sequer consegui chegar a tempo de vê-la enterrar, pois eu estava estudando no Canadá e não havia passagem aérea para a minha cidade natal àquela data. Chorei muito e desolada aguardei uma semana para meu retorno. Contudo, apesar de ainda estarmos vivos os quatro filhos de meus pais, sabia que cada um sentiria a sua maneira. Consolava-me com a idéia de ter vivido bons momentos ao lado deles.
Certamente não fui a filha idealizada por meus pais, devido à avançada idade dos dois ao meu nascimento. Entretanto, ambos eram cem por cento conscientes de meu amor por eles. Éramos uma família confusa, mas verdadeiramente amorosa.
Ano passado, colhi a morte de um de meus três irmãos. Mais um enfarte fulminava um ente querido. Este era provavelmente o melhor de nós quatro. Era sobretudo o mais querido de minha mãe e o mais paciente de todos. Também chorei muito.
Mais uma vez saía de Londrina ao Rio de Janeiro, a fim de "conferir" outro irmão muito querido. Como sou temporã, creio ter certa responsabilidade para com os mais velhos. Afinal, quando nasci, meu irmão tão logo mais velho do que eu, estava com quinze anos; o outro com dezessete e o mais velho com dezenove. As grandes diferenças etárias entre nós tornaram-se proporcionalmente inversas com o passar dos anos. Enxergo-os como se através de uma lupa, gratificada por ter sido precocemente premiada como tia, tia avó, consolo por minha também precoce orfandade. Maturidade adquirida aos trancos e barrancos em obras arduamente concluídas.
Hoje sei que só eu posso sentir a minhas dores. Porém, se eu conseguir repassar o meu sofrimento por haver me colocado em risco, viverei em paz com meu vírus e minha adesão ao tratamento anti retroviral, sem grandes vícios, a vida que me resta. A meu bom Deus peço somente a graça de mais vinte e quatro horas.
Abraços,
Denise Maria Hecksher
quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011
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